PRAÇA PÚBLICA GILSONE TADEU BARBOSA - FERREIRINHA
A urna silo na estrada de acesso ao assentamento Sapecado até o distrito de Antinha, município de Perdizes, Minas Gerais
A urna foi descoberta pela Sr.Antônio Rodrigues da Silva mais conhecido como "Tõe Pidrinha" . Por ser um morador da região e muito observador, avistou o que acreditava ser "uma panela de índio”. Imediatamente comunicou ao Sr. Adevaldo Martins que entrou em contato com a Sra. Rayane Gonçalves à época colaboradora do Setor de Cultura e Turismo, que repassou a informação para a Secretária de Educação, Cultura, Esporte, Lazer e Turismo Sra. Conceição Aparecida Cunha Alves.

Os funcionários do Secretário de Desenvolvimento Econômico, Segurança Pública, Trânsito, Mobilidade Urbana, Defesa Civil e Proteção e Defesa Do Consumidor, Cel. Hamilton Firmino da Silva, e do Secretário de Máquinas e Transporte prepararam e isolaram o local para aguardar o resgate arqueológico.

O resgate arqueológico foi realizado pela Professora e Dra. Márcia Angelina Alves, seus orientandos e colaboradores nesse mês de setembro do corrente ano.

O resgate iniciou-se com novo isolamento da área, comandado pelo Cel. Hamilton, porque o anterior foi removido pelos transeuntes da estrada vicinal, o qual apoiou integralmente a pesquisa de resgate e garantiu a segurança dos pesquisadores; A atual Secretária de Educação, Edna Jalva Afonso Duarte, também apoiou a pesquisa e a Diretora de Cultura, Dra. Fernanda Cristina Rosa, apoiou e participou das atividades de resgate da urna.

A equipe foi constituída por dois motoristas: Paulo Ferreira Borges e Lindolfo do Prado Neto; dois trabalhadores: Cleomar de Oliveira e Clóvis Martins Correia; e três pós-graduandos em Arqueologia: mestre e professor Alex Sandro Alves De Barros; bacharéis e licenciados em história e mestrandos: João Vítor Marcon Camargo e Guilherme Salvador Alarsa, e eu, Márcia Angelina Alves, doutora e livre-docente em Arqueologia, como coordenadora. Também colaboraram com o resgate a Diretora de Cultura, Dra. Fernanda Cristina Rosa e Dra. Amanda Elias Carneiro, turismóloga e professora de Pedrinópolis. Pudemos contar com a participação das Senhoras Maria Luisa dos Reis Andrade, e Maria Aparecida de Alvarenga.

Durante a semana dos dias 18 a 22 de setembro a equipe foi diariamente ao local de resgate da urna, cuja distância pela estrada Perdizes-Antinha-Sapecado é de 70km, com regresso ao distrito de Antinha para almoçar e retorno ao local da urna. Saíamos às 7 horas da manhã e retornávamos da estrada do Sapecado às 16 horas, com chegada às Perdizes às 18 horas.

Para resgatar a urna, foi necessário perfurar com enxadões uma área delimitada por 2,5m Leste-Oeste e 2,0m Norte-Sul, cujo sedimento foi retirado com pás manuais e peneirado. A evidenciação da urna foi realizada com colheres de pequeno e médio porte, pincéis e espátulas. Desde o início da evidenciação da urna foram constatadas fraturas em sentidos horizontal e vertical, possivelmente provocadas pela circulação de veículos, em sua maioria pesados.

A urna apresenta morfologia globular, sem pintura, sem engobo, sem banho e sem decoração plástica (apliques, incisões...); em seu interior não foram encontrados ossos humanos, e sim vestígios materiais de artefatos de uso exclusivo pelos homens de culturas indígenas, como lascas, resíduos de lascamento e um TEMBETÁ na forma de lua nova, artefato símbolo de ritual de passagem de idade de menino para jovem dos povos Kayapó meridionais que ocupou a região mesopotâmica do Triângulo Mineiro (Julgados de Desemboque e Araxá) no período pré-Colonial e período Colonial. No lado de fora da urna foi encontrada uma lasca retocada de fino talhe.

Esse povo indígena tinha uma agricultura de coivara (corte e queima de árvores), sem arado, e plantavam nas proximidades de suas aldeias, feijão vermelho e preto, amendoim, milho, mandioca doce, inúmeros tipos de abóboras, inhame, algodão e tabaco. Conheciam e cultivavam plantas medicinais. Complementavam a alimentação com caça e pesca. Tinham o domínio do fogo. Lascavam e poliam a pedra, fabricando instrumentos necessários à sua vida social. Construíam suas casas, chamadas de ocas, sustentadas por troncos de árvores e cobertas por cobertura vegetal, capim sapê e folhas de palmeira, de maneira semicircular, lembrando ferraduras e dispostas em torno de um pátio central, onde desenvolviam sua vida social. Dormiam em redes, sustentadas por fios de plantas do Cerrado.

Faziam grandes potes de cerâmica com tampa para acondicionar grãos e sementes e conter líquidos. Esses potes tinham função dupla; no cotidiano acondicionavam farinha de milho, farinha de mandioca, sementes, grãos e líquidos. Nas comunidades indígenas, todos eram iguais, mas homens tinham tarefas específicas, somente destinadas a eles, como lascar e polir a pedra e dirigir os rituais do povo; as mulheres faziam a cerâmica, educavam os filhos e cuidavam da alimentação, dentre outras atividades. Todos e todas eram enterrados diretamente na terra, somente duas pessoas que tinham posições sociais diferenciadas eram enterradas em urnas em posição fetal: os caciques, responsáveis pela segurança e pela paz do grupo, e os pajés, que eram um misto de religioso e médico.

Com os achados encontrados na urna da estrada do Sapecado, os arqueólogos responsáveis pela pesquisa levantam a hipótese que a urna silo globular resgatada deveria conter artefatos do universo simbólico dos povos Kayapó meridionais devido à ocorrência do tembetá em forma de lua nova, das lascas e dos resíduos de lascamento, artefatos exclusivamente masculinos, e que, também, em seu interior, deveria conter artefatos perecíveis em algodão, pena, e ossos de animais, detectados e descritos pela etnografia indígena dos Kayapó setentrionais, no Norte do Estado de Mato Grosso, já na Bacia Amazônica.

A urna, por seu alto grau de fragmentação, deverá ser restaurada com material adequado, que deve ser adquirido de países do exterior, assim como por um restaurador adequado, que deverá ser indicado pela Superintendência Regional do IPHAN-MG, ou do Conselho Nacional de Arqueologia (CNA) para tal.

Perdizes, 26 de setembro de 2023

Márcia Angelina Alves
Arqueóloga, Professora Associada, Sênior, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Coordenadora do Projeto Quebra Anzol. alvesma@usp.br.
26/09/2023 - Márcia Angelina Alves
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